sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ACADEMIA DA ALMA

 Atenção! A vida não é isto!

 
ENCONTRO 5

PARA MEDITAR
"Saibam que o lugar em que vocês mais desejam estar é perto do seu tesouro, e é lá que acabarão indo parar. (...) Se Deus dá tanta atenção às flores do campo -- e muitas delas nem sequer são vistas -- não acham que ele irá cuidar de vocês, ter prazer em vocês e fazer o melhor pro vocês? Quero convencê-los a relaxar, a não se preocuparem em adquirir. Em vez disto, procurem dar, correspondendo, assim, ao cuidado de Deus. (...) Orientem sua vida de acordo com a realidade, a iniciativa e a provisão de Deus. Não se preocupem com as perdas e descobrirão que todas as suas necessidades serão satisfeitas". (Mateus 5.19-33, partes -- A MENSAGEM)

PARA PENSAR
"O contexto cultural em que estou imerso requer, ao menos de mim, uma vigilância incansável para preservar minha vocação dessa poluição cultural tão perigosamente tóxica para as pessoas que desejam seguir a Jesus de um modo que ele não deixe de ser Jesus. Eu queria que minha vida, tanto minha vida pessoal quanto profissional, fosse modelada por Deus, pelas Escrituras e pela oração". (Eugene PETERSON 1)

PARA VIGIAR
NÃO viverei a vida dos outros.

PARA ALCANÇAR
Quero que a minha vida seja modelada pelo Espírito Santo, por meio das Escrituras e da oração.

PARA MEMORIZAR
Senhor, "tu criaste o íntimo do meu ser
e me teceste no ventre de minha mãe.
Eu te louvo porque me fizeste
de modo especial e admirável".
(Salmo 139.13,-14a -- NVI)

***

Quando fiz nove anos de idade (podendo estar errado na data), ganhei um livro. Na verdade, por essa época ganhei três livros (pela ordem decrescente de importância): "Caçadas de Pedrinho" (de Monteiro Lobato), "Canções da Primavera" (de Avelino de Souza) e um sobre Plácido de Castro na conquista do Acre. Tornei-me escritor por causa dos dois primeiros e por todos aqueles da biblioteca do meu pai.
Esta passagem sobre mim mesmo nos ajuda a compreender que nós somos nosso Corpo, nosso Contexto e nossos Compromissos.
Nascemos um corpo num contexto cultural, dado por nossa família e pelos nossos outros círculos de convivência (na rua, na escola e na igreja), demarcados inicialmente por nossos pais.
Assim, somos a saúde (física e mental) que habita o nosso corpo.
Também somos a família que nos formou e a sociedade em que vivemos, ambas com seus valores, que, quando incorporados, transformam-se em compromissos.
Somos, portanto, modelados por nosso corpo, nosso contexto e nossos compromissos.
O entrelaçamento destes vetores oferecem vários convites ao nosso estilo pessoal de ser, dos quais três soam bastante fortes: a comparação, a competição e o consumo.

COMPARAMOS E NOS COMPARAMOS, EMBORA QUEM É ÚNICO SEJA INCOMPARÁVEL
Por que, quando ganhamos, crianças, um presente (uma roupa, uma bicicleta ou uma boneca), saímos a rua? Para brincar? Para exibir? Para dizer que o nosso presente é melhor? Por que perguntamos ao nosso amigo o que ele ganhou?
É como se precisássemos de espelho para saber quem somos.
Na verdade, somos carentes de aceitação (precisamos ser amados), comparamo-nos com o(s) outro(s) para saber se somos tão amados quanto o(s) outro(s). Só que, além de amor, queremos justiça: queremos que os afetos sejam distribuídos de modo justo, esquecidos que afetos (amores) têm memórias, que produzem recompensas, que, subjetivos, ignoram a razão.
Crianças ainda olhamos para o que os nossos amigos têm. Olhamos, da distância em que nos encontramos, para os pais dos nossos colegas e eles nos parecem mais ricos do que os nossos, mais carinhosos do que os nossos, mais felizes do que as nossas famílias. Ele passeiam mais. Ele brincam mais.
Não queremos ser felizes: queremos ser felizes como os nossos vizinhos.
E pelo resto da vida, comparamos, embora nos achemos únicos.
Quando comparamos, deixamos de ser nós mesmos. Queremos o carro que o vizinho tem. Trocamos de carro porque o vizinho trocou o dele. Queremos a casa de um artista que uma revista exibiu. Ao nos compararmos, queremos ser iguais achando que assim seremos diferentes.
A comparação -- esta celebração do egoismo -- é uma perda de tempo (e energia) que drena a alegria de viver, ao fazer sedimentar no coração dos petardos, entre outros: a autocomiseração e a inveja. Quem desenvolve a moléstia da autocomiseração pensa assim: "Como não sou igual a outro, ou eu lhe sou inferior ou lhe sou superior. Se eu lhe for inferior, nunca lhe serei igual. Se eu lhe sou superior, nunca lhe serei igual. Quem me fez desgraçadamente assim? Ah, se me fosse dada outra vida". Snif!
Golias se comparou com Davi (mais fraco) e perdeu. Davi não se comparou com Golias e venceu.
Quem cai no pecado da inveja deseja ser o que imagina o que o outro é ou tem. O outro se torna sua referência. A comparação faz com que o modelo (o outro com que se compara) fique cada vez mais distante. A tentativa frustrada de o alcançar gera ressentimento e rancor. É neste sentido que se diz que a inveja mata. Deus a chama de podridão dos ossos (Provérbios 14.30) e nos aconselha a quem não abriguemos no coração (Tiago 3.14-16), mas quem pode resistir à inveja (Provérbios 27.4). Um dos mandamentos foi precisamente que não devemos invejar, que é pôr o coração em coisas que pertencem ao próximo (Êxodo 20.17).
Ajuda-nos a lembrança que Goethe nos sugere: "Os homens não se conhecem uns aos outros com facilidade, ainda que ponham nisso o melhor da sua vontade e das suas intenções. Porque há que contar sempre com a má vontade que tudo distorce. Conhecer-nos-íamos melhor uns aos outros se não estivéssemos sempre a querer comparar-nos uns com os outros". 2
Sobretudo deve nos inspirar num caminho anticomparativo esta quadra do lindo Salmo 139:

Senhor, "tu me moldaste por dentro e por fora;
tu me formaste no útero da minha mãe.
Obrigado, grande Deus -- é de tirar o fôlego!
(...) Sabes exatamente como fui feito: aos poucos;
como fui esculpido: do nada até ser alguma coisa"
(Salmo 139.13,14 e 16)

Compararmo-nos é abrir mão de nossa singularidade.
Para quem estas moléstias tem deixar se (se) comparar faz muito bem.

COMPETIR É GUERREAR
Ficamos horrorizados com a guerra, aquela estampada na capa dos jornais.
No entanto, queremos vencer a discussão com o nosso cônjuge (para que assim nós o submetamos), queremos ganhar o debate travado com os colegas (para que assim sejamos mais elogiados), queremos que os aplausos a nós dirigidos dure mais do que o outro maestro (para ficar evidente que somos melhores), queremos que o nosso livro venda mais do que os outros autores (porque escrevemos melhor), queremos que a nossa igreja esteja mais cheia do que as outras (de modo que possamos cantar que nela o poder de Deus é maior).
Eis o que queremos, mas não achamos que isto seja guerra.
Mas o que é guerra, senão a busca por mais espaço, tirado do outro, pela derrota do outro? Somos moldados pela ideologia da guerra, como se fosse o motor do crescimento pessoal.
Por isto, há pessoas que precisam inventar uma guerra, em que tudo é justificado (até matar) para continuar sobrevivendo. Por isto, há pessoas que inventam doenças para, lutando contra elas, continuar sobrevivendo.
E essas mesmas pessoas criticam a violência no mundo. Muitos pais ensinam aos seus filhos que primeiro devem bater, antes que batam neles. E esses mesmos pais reclamam da insegurança das ruas.
Gostamos tanto dos esportes, pela dimensão saudável da competição. E é porque pode ser o território da trapaça (é preciso vencer, a qualquer custo) ou da violência (é preciso vencer, preferentemente massacrando o adversário tornado inimigo) que o esporte tem regras. Nem sempre esportistas e torcedores não o entendem. Quantas vezes nos decepcionamos quando, terminada a partida de futebol, o atacante e o zagueiro se abracem. Eles entenderam o que é o jogo. Os que nos decepcionamos, não. Um jogo é o que é: um jogo, talvez uma simulação de uma guerra, mas não uma guerra; deve haver um vitorioso no jogo, mas não um derrotado.
Na vida profissional, se a competição for apenas um elemento do jogo, não de nossa personalidade, ela pode nos ajudar a compreender os nossos papéis. A competição na vida, emulando a do jogo, pode ser saudável. Por causa de nossa natureza, se não tiver regras, transforma-se em veia aberta para a violência.
Sucesso não é se realizar. Sucesso é derrotar aquele que se imagina inimigo. A sociedade nos obriga a participar da guerra. Os postulantes a um curso ou a um emprego precisam estudar o suficiente para derrotar os inimigos, mesmo que alguns tenham crescido com eles. Não importa: ali são inimigos a vencer.
Fico pensando que o temperamento dito explosivo de uma pessoa não advém da certeza que ela vai perder. Como vai perder, quem sabe terá alguma chance se bater primeiro. Nos termos da psicologia, "o agressivo se adianta a uma possível experiência de rejeição, tendo a certeza de que alguém fatalmente irá contrariar suas expectativas". 3 É por isto que os fracos são violentos, não importa a face que  tome: irar-se, esmurrar a mesa, bater a porta, elevar o tom da voz, argumentar perfidamente para ferir o antagonista em seu ponto vulnerável, 4 emburrar, debochar, ironizar, chutar, empurrar, esbofetear, gritar, atirar
A violência é intrínseca à condição humana, mas pode ser desarmada.
A violência também se aprende, mas a espiral pode ser desfeita. Aprendemos que os conflitos, próprios de nossas diferenças, não devem ser administrados. Eles devem ser eliminados -- apreendemos -- com a sujeição do outro. A paz também se aprende, por isto são felizes os que a promovem (Mateus 5.9).
Podemos resolver nossos conflitos sem agredir. Quando estamos mergulhados nele, nós os resolvemos quando entendemos que os dois lados precisam vencer.
Precisamos descobrir que somos interdependentes. Nós precisamos um do outro.
Os casais que continuam juntos são ou, infelizmente, aqueles em que um dos cônjuges se sujeitou (isto é: foi sujeitado) ou, felizmente, aqueles que descobriram a sujeição mútua (Efésios 5.21).
Somos chamados a viver em paz com todos, na medida do possível. Somos convidados a não reagir com violência. Conhecedor de nossa natureza, Deus nos diz: deixem a vingança comigo, porque eu não peso a mão como vocês quando estão cheios de ódio (Romanos 12.18-19).

O PRAZER DE TER
É na ideologia do consumo (ou simplesmente: no consumo) que o peso da cultura se torna praticamente irresistível.
É no consumo que a comparação encontra terreno propício para dominar.
É no consumo que a competição desabrocha sem culpa.
Então, deixamos de ser cidadãos para nos tornarmos consumidores.
O consumo precisa de nós mas dá um jeito de convencer que precisamos dele. Suas profecias estão nos meios de comunicação e sabemos em geral que os anúncios são anúncios. Seus controles estão nos olhares do grupo de que fazemos parte; só lhe pertencemos, se consumimos o que ele consome.
O consumo não é o consumo, mas uma ideologia.
Consumir não é satisfazer uma necessidade. O consumo se satisfaz em si mesmo.
O consumo já é o ideal. O consumo se vende como um projeto de vida.
Ao nos seduzir, o consumo se torna parte do nosso estilo de vida.
O consumo se torna um padrão, como uma estrada a ser naturalmente percorrida.
É divertido consumir.
A ideologia do consumo pervade todos os desejos, todas as práticas e todas as instituições.
Precisamos comer; o consumo nos sugere o cardápio e o restaurante.
Precisamos dormir; o consumo nos estabelece o tipo e a marca do colchão.
Precisamos morar; o consumo nos conforma a arquitetura.
Precisamos nos vestir; o consumo nos dita o modelo e a marca.
Precisamos trabalhar; o consumo nos orienta qual a profissão.
Precisamos estudar; o consumo nos impõe o método e a escola. (Ou: nos impõe a escola, que nos impõe o método.)
Precisamos cultuar; o consumo nos informa o estilo de culto e a igreja.
Precisamos ler; o consumo nos apresenta o autor e a editora.
Precisamos nomear nossos filhos; o consumo nos oferece a restrita lista dos nomes bonitos.
Precisamos viajar: o consumo nos dá o roteiro.
Precisamos nos divertir; o consumo nos define o espetáculo.
Precisamos nos recolher, mas o consumo nos garante que ainda precisamos acelerar.
Podemos ir no nosso ritmo, mas o consumo fixa a velocidade, que tentamos seguir, mesmo que além do nosso fôlego. Como nos dizem que todos estão indo, como não iremos para lá também?
Já amealhamos o suficiente, mas o consumo nos amedronta dizendo que é pouco.
Dizemos que as pessoas são o que elas são, mas o consumo nos traz à realidade de que as pessoas são o que elas compram.
Diziam-nos que consumíamos para viver, mas agora nos dizem que vivemos para consumir.
Ouvimos Jesus dizer que não devemos andar ansiosos para fazer aquilo que precisamos fazer, mas o consumo retruca ("garanta já" o que você quer) e ficamos confusos.

Contrapontuemos.
Um mentor espiritual acolheu várias pessoas em voluntária busca de equilíbrio, num lugar elevado e insulado numa extasiante montanha verde.
Durante alguns dias, os reunidos oraram, cantaram, ouviram e, especialmente, foram orientados a ficar em silêncio por horas seguidas.
Aprenderam novas maneiras de pensar e amar.
Quando foi se aproximando a hora de descerem para o vale, alguns começaram a lamentar que, daqui a pouco, teriam que voltar ao mundo real.
O mentor os ouviu e proferiu seu último aforisma:
-- Não pensem que vocês voltarão para o mundo real. Na verdade, ao saírem daqui, vocês estarão deixando o mundo real. A vida vivida aqui, nestes dias, é que é a vida real. A vida lá embaixo, feita de comparações, competições e consumismos, é que é falsa.

Tem razão o mentor?
Vivemos vidas que não deveríamos viver. Estas não são vidas boas. Não deveriam as nossas vidas.
Consumir não pode ser nosso projeto de vida. Precisamos nos desintoxicar da dependência a estes padrões.
Vivamos na certeza que, "à luz das Escrituras, nossa vida é dom de Deus, tesouro incomparável a nós confiado, potencial que devemos cultivar e defender para que produza frutos. Deixar-nos aniquilar, esmagar as aspirações que Deus pôs em nosso coração, calar nossas convicções, renunciar a nossa personalidade, permitir que o outro decida quais são os nossos gostos e imponha sua vontade e seus conceitos significa enterrar nossos talentos como faz o servo da parábola (Mateus 25.14-30). É desobedecer a Deus por medo dos homens". 5
Para não desobedecer, precisamos vigiar. Só prestando muita atenção, preservaremos nossa vocação livre da poluição cultural de nossa sociedade e seguirmos Jesus de um modo que ele continue sendo Jesus e nós caminhemos na direção que ele quer, moldado pelas Escrituras e pela oração (conforme a sugestão de Peterson 6).
Somos chamados para esta jornada de santificação, em que nos enchemos menos das coisas e mais de Deus.

***
ACORDE
1. Faça um inventário pessoal, perguntando-se seriamente: "Para que eu vivo?". (AUTOCONHECIMENTO)
2. Confesse o seu pecado de ter ido na onda, negando-se a si mesmo, tornando ainda mais conspurcado o quadro original da imagem-semelhança de Deus. (CONFISSÃO)
3. Ore  especificamente, pedindo a Deus para não mais comparar e não mais se comparar. (ORAÇÃO)
4. Medite sobre o que se tornou a sua vida, reconhecendo como a competição e o consumo se tornaram destrutivamente seus padrões, com pouco ou nenhum espaço para o recolhimento, que "nos liberta de nossas reações naturais" e "nos leva a reconhecê-las e a experimentar constantemente, novas manifestações da graça de Deus". 7(REFLEXÃO)
5. Decida viver de modo livre das opiniões a seu respeito e dos estilos de vida dos outros, mesmo que lhes pareçam perfeitos. (DECISÃO)
6. Empenhe-se para vigiar sempre porque os demônios, quando voltam, retornam ainda mais fortes, como aprendemos com Jesus em Mateus 12.43-45. (ESFORÇO)

PARA LER
TOURNIER, Paul. Os fortes e os fracos. São Paulo: ABU, 1999.
YANCEY, Philipe. Rumores de outro mundo. São Paulo: Vida, 2005.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

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